Por Paola Carvalho.

A orientação anterior da Receita Federal do Brasil (RFB), fundamentada através da Solução de Divergência COSIT nº 18/2017 e da Solução de Consulta COSIT nº 43/2021, foi mantida no entendimento atual pela Solução de Consulta COSIT nº 107/23, ao se tratar de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF):

Os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos em a residente ou domiciliado no exterior, pelo usuário final, para fins de aquisição ou renovação de licença de uso de software, independentemente de customização ou do meio empregado na entrega, caracterizam royalties e estão sujeitos à incidência de Imposto sobre a Renda na Fonte (IRRF), em regra, sob a alíquota de 15% (quinze por cento).

Dessa forma, mesmo após a publicação da SC COSIT nº 107/23, verifica-se que para fins de retenção do imposto de renda a natureza das remessas ao exterior para aquisição ou licença de uso de software é de royalties.

Se tratando de beneficiário residente ou domiciliado em país com tributação favorecida, a alíquota do IRRF sobre os royalties devidos pela licença de uso de software será de 25% (vinte e cinco por cento).

É importante ressaltar que a própria legislação do Imposto de Renda, no art. 22 da Lei nº 4.506/1964[1] estabelece que os rendimentos decorrentes do uso ou exploração econômica dos direitos autorais são classificados como royalties.

Quanto à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a SC COSIT nº 107/23 manteve a ausência de sua incidência sobre a remessa ao residente ou domiciliado no exterior pela licença de uso de software. A não incidência permanece em caso de aquisição de versão de atualização do software, através de nova licença ou prorrogação da licença original, salvo quando envolver a transferência da tecnologia.

Isso porque a CIDE incide em caso de transferência de tecnologia ao adquirente da licença (§ 1º-A, art. 2 da Lei nº 10.168/2000). De acordo com a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), essa transferência pode ser caracterizada da seguinte forma:

A transferência de tecnologia implica necessariamente a transferência de conhecimento, da técnica envolvida no produto. No caso dos softwares, são considerados como contratos de transferência de tecnologia aqueles que disponibilizam o código fonte[2].

Já quando há remessa para a contratação de serviço técnico de manutenção pela atualização da versão do próprio software, desde que não origine novo licenciamento, há incidência da CIDE à alíquota de 10% (dez por cento).

O ponto central, que ascendeu um alerta às empresas, no que diz respeito à SC COSIT nº 107/23 se refere ao PIS/COFINS – Importação.

Isso porque o antigo entendimento da Receita, adotado através da SC COSIT nº 303/17 era de que não incidiria PIS/COFINS – Importação na operação em comento:

(…) na importação de software de prateleira, mediante adesão a contrato de licenciamento ou sublicenciamento de uso, na hipótese de este ser disponibilizado por download ao licenciado ou sublicenciado usuário final.

Já os valores remetidos ao exterior como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento ou sublicenciamento de uso de software, já estavam sujeitos à incidência da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação, nos termos do inciso II do art. 7º da Lei nº 10.865/2004.

Ocorre que agora, para a RFB, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.945/MT e na ADI de mesmo teor nº 5.659/MG, em 24 de fevereiro de 2021, superou a antiga jurisprudência citada pela SC COSIT nº 303/2017.

Ao julgar a matéria referente à incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) ou Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações com softwares o STF reconheceu a incidência apenas do ISS. Unicamente a partir disso, sem qualquer alteração na legislação, a RFB passou a entender que quando se falar em softwares, dever-se-á reconhecer que há a existência de prestação de serviços.

Em simples termos, podemos dizer que para a RFB, com base no entendimento do STF, para o desenvolvimento do software é necessário um esforço humano o que configura prestação de serviços, ainda que o software não seja customizável.

Esse entendimento é contrário ao disposto pela própria Receita na SC COSIT nº 107/23 que, ao tratar de IRRF, manifesta-se no sentido de que as remessas são caracterizadas como royalties.

Em outras palavras, a RFB classifica os softwares de maneira diversa para justificar a aplicação de IRRF sobre royalties e de PIS/COFINS – Importação sobre prestação de serviços. Essas classificações contraditórias possibilitam que os contribuintes busquem esclarecimento jurídico e que questionem juridicamente sobre a natureza das operações. Isso porque, com base no seu entendimento, a RFB pode promover fiscalização, apuração e autuação, com incidência de multa e demais encargos.

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[1] Art. 22. Serão classificados como “royalties” os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:

  1. a) direito de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
  2. b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
  3. c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio;
  4. d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.

[2] Processo nº 16643.000408/2010-36, Acórdão 3402-005.396 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária. Sessão 24/07/2018. Contribuinte ERICSSON TELECOMUNICACOES S A.