Em 22 de maio de 2025, o governo federal brasileiro, por meio do Decreto nº 12.466/2025, anunciou a padronização da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em 3,5% para diversas operações financeiras, como transações de câmbio, uso de cartões de crédito e débito internacionais, remessas ao exterior e operações de crédito para grandes cooperativas. A medida, projetada para arrecadar R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026, visa reforçar a consolidação fiscal, mas gerou controvérsias sobre sua conformidade com princípios constitucionais tributários, especialmente a anterioridade anual e nonagesimal. Este artigo analisa o arcabouço jurídico do aumento, as razões para a não observância desses princípios, a potencial ilegalidade da majoração abrupta devido ao seu propósito arrecadatório e a probabilidade de aumento de demandas judiciais.
Os Princípios da Anterioridade Anual e Nonagesimal
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, estabelece os princípios da anterioridade anual e nonagesimal como garantias aos contribuintes contra tributações inesperadas. A anterioridade anual proíbe a cobrança de tributos instituídos ou majorados no mesmo exercício financeiro de sua publicação, enquanto a anterioridade nonagesimal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 42/2003, exige um prazo mínimo de 90 dias entre a publicação da lei e sua vigência. Esses princípios asseguram previsibilidade e segurança jurídica no planejamento financeiro.
No entanto, o artigo 150, §1º, isenta certos tributos dessas exigências, incluindo o IOF, o Imposto de Importação (II), o Imposto de Exportação (IE), o Imposto Extraordinário de Guerra (IEG) e o Empréstimo Compulsório em casos de guerra ou calamidade pública. A isenção do IOF reflete sua natureza extrafiscal, destinada a regular comportamentos econômicos, como fluxos de câmbio e crédito, em vez de apenas arrecadar receita. Além disso, o artigo 153, §1º, permite que o Poder Executivo altere as alíquotas do IOF por decreto, com efeito imediato, respeitando os limites legais.
O Aumento do IOF para 3,5%: Contexto e Implementação
O Decreto nº 12.466/2025, publicado em 22 de maio de 2025, padronizou a alíquota do IOF em 3,5% para operações como:
- Transações de câmbio, incluindo uso de cartões de crédito e débito internacionais, compra de moeda estrangeira e cartões pré-pagos, que anteriormente tinham alíquota de até 6,38% (reduzida gradualmente desde 2023, conforme Decreto nº 11.332/2023).
- Remessas ao exterior, tanto para contas próprias (antes 1,1%) quanto de terceiros (antes 0,38%).
- Operações de crédito para cooperativas com transações anuais acima de R$ 100 milhões, anteriormente isentas.
O Ministério da Fazenda justificou a medida como parte de um esforço de consolidação fiscal, visando eliminar assimetrias tributárias e alinhar políticas fiscais e monetárias, conforme anúncio oficial. Após reações negativas do mercado, o Decreto nº 12.467/2025, de 23 de maio de 2025, revisou parcialmente a medida, mantendo a alíquota zero para investimentos estrangeiros por fundos brasileiros. A maioria das disposições entrou em vigor em 23 de maio de 2025, com algumas, como novos fatos geradores, adiadas para 1º de junho de 2025.
Não Observância dos Princípios da Anterioridade
A aplicação imediata do aumento do IOF é constitucionalmente permitida pelo artigo 150, §1º, que isenta o IOF dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal. Essa isenção decorre de sua função extrafiscal, que permite ajustes rápidos para regular a economia, como controle de fluxos de câmbio ou crédito. O artigo 153, §1º, reforça essa prerrogativa, autorizando o Executivo a alterar alíquotas por decreto com efeito imediato. Assim, o Decreto nº 12.466/2025, ao fixar a alíquota em 3,5%, está formalmente amparado pela Constituição, dispensando a observância dos prazos de anterioridade.
Potencial Ilegalidade da Majoração Abrupta
Embora constitucionalmente válida em termos formais, a majoração do IOF levanta questionamentos sobre sua legalidade devido ao seu aparente propósito arrecadatório. O IOF, por sua natureza extrafiscal, deve servir a objetivos regulatórios, como estabilizar o mercado de câmbio ou controlar o crédito. No entanto, as projeções de arrecadação (R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026) sugerem que a medida tem como objetivo principal aumentar a receita pública, o que pode configurar um desvio de finalidade.
Deveras, alterações no IOF devem estar vinculadas a finalidades regulatórias. A ausência de uma justificativa técnica robusta para o aumento pode violar o princípio da legalidade tributária (artigo 150, inciso I, da Constituição). Além disso, a aplicação imediata, sem período de transição, desafia o princípio da segurança jurídica, que protege os contribuintes contra mudanças tributárias imprevisíveis, especialmente em operações de longo prazo.
Aumento de Demandas Judiciais
A combinação do objetivo arrecadatório e a ausência de transição aumenta a probabilidade de demandas judiciais. Contribuintes, incluindo bancos, cooperativas de crédito e indivíduos que realizam transações internacionais, podem contestar o Decreto nº 12.466/2025 com base em:
- Desvio de Finalidade: Alegação de que o aumento visa arrecadação, e não regulação, violando a natureza extrafiscal do IOF.
- Violação da Segurança Jurídica: A aplicação imediata prejudica o planejamento financeiro, especialmente em operações já contratadas.
- Desproporcionalidade: A majoração abrupta pode ser considerada desproporcional aos objetivos regulatórios declarados.
- Inconstitucionalidade Formal: Embora menos provável, pode-se questionar a adequação do uso de decreto para mudanças de grande impacto.
Conforme apontado em reportagens, a reação negativa do mercado e a revisão parcial do decreto indicam um cenário propício a litígios. Associações como a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e a Confederação Nacional das Cooperativas (Confebras) podem liderar ações, incluindo Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ou ações ordinárias, para suspender os efeitos do decreto.
Tabela Comparativa de Impactos
Operação | Alíquota Anterior | Nova Alíquota (a partir de 23/05/2025) | Impacto |
Uso de Cartões Internacionais | Até 6,38% (reduzida gradualmente desde 2023, ~4-5% em 2025) | 3,5% | Redução em relação ao histórico, aumento em relação à redução |
Remessas a Terceiros | 0,38% | 3,5% | Aumento significativo |
Crédito para Cooperativas | 0% | 3,5% | Nova tributação |
Investimentos Estrangeiros (Fundos) | 0% | 0% (mantido por Decreto nº 12.467/2025) | Sem alteração |
Conclusão
O aumento do IOF para 3,5% pelo Decreto nº 12.466/2025, embora formalmente amparado pela isenção dos princípios da anterioridade (artigo 150, §1º), levanta sérias questões sobre sua legalidade devido ao seu aparente objetivo arrecadatório, em possível desvio da função extrafiscal do IOF. A aplicação imediata, sem transição, também viola a segurança jurídica, aumentando a probabilidade de demandas judiciais por parte de contribuintes afetados. Este cenário destaca a importância de escritórios de advocacia tributária na orientação de estratégias para contestar a medida, seja por ações individuais, seja por ações coletivas, como ADIs no STF.
A equipe tributária do Melo Campos Advogados se encontra à disposição para quaisquer esclarecimentos!