A complexidade dos processos licitatórios e a falta de cuidados por parte dos entes da Administração Pública na condução destes são fatores que, frequentemente, acarretam no desinteresse dos particulares em participar das licitações. E não são apenas as disposições legais que geram dúvidas constantes entre os participantes. Os editais, muitas vezes padronizados, apresentam conteúdo pouco técnico, gerando insegurança aos candidatos no momento de apresentação das propostas.
É certo que a Lei 8.666/93, legislação que serve de base para a maior parte dos processos licitatórios, prevê o instituto da impugnação ao edital [i], sendo tal disposição um grande instrumento para evitar possível desqualificação dos participantes e desclassificação de suas propostas. No entanto, tal previsão legal não é capaz de evitar toda e qualquer imprecisão que possivelmente conduzirá à nulidade do certame ou que, em muitos casos, resultará em sérias dificuldades na execução do contrato por parte do vencedor da licitação.
Diante deste cenário, é de extrema importância que aqueles que buscam participar de processos licitatórios se cerquem de todos os cuidados necessários. Acompanhar com cautela todas as fases do certame e, principalmente, analisar o objeto licitado pode evitar inúmeras frustrações.
Nos termos do art. 40, I, da Lei 8.666/93, o edital deverá conter o “objeto da licitação de forma sucinta e clara” [ii]. Tal exigência visa assegurar o tratamento isonômico entre os participantes e, ainda, garantir a eficiência da atuação administrativa. É através da definição clara e precisa do objeto da licitação que se poderá verificar a adequação da proposta ao que a Administração Pública busca contratar. Destaca-se, ainda, que somente assim é que se garante um julgamento objetivo por parte do ente licitante.
Marçal Justen Filho, ao tratar deste requisito, esclarece que:
“(…) o ato convocatório deve descrever o objeto de modo sumário e preciso. A sumariedade não significa que possam ser omitidas do edital (no seu corpo e nos anexos) as informações detalhadas e minuciosas relativamente à futura contratação, de modo que o particular tenha condições de identificar o seu interesse em participar do certame e, mais ainda, elaborar a proposta de acordo com as exigências da Administração [iii].”
No entanto, conforme já ressaltado, a insistência da Administração Pública em reproduzir conteúdos de editais já publicados e a falta de conhecimento técnico sobre o objeto licitado acarreta inúmeras imprecisões que dificultam a elaboração das propostas. Estas imprecisões, conforme jurisprudência consolidada do TCU [iv], e amparada pelo judiciário, acarretam a nulidade do certame.
E não poderia ser diferente, visto os graves prejuízos causados aos participantes. A apresentação de propostas que, em um primeiro momento, parecem adequar-se às disposições editalícias, acabam por ser desclassificadas. Em muitos casos, verificam-se as constantes alterações do edital, fato que afasta o interesse de muitas empresas em continuar participando dos processos, mesmo já tendo despendido esforços para demonstrarem suas qualificações e a adequação de suas propostas.
A falta de cautela por parte dos órgãos públicos no preparo dos editais geram insegurança jurídica e grande margem para decisões discricionárias. No entanto, é necessário superar estes obstáculos e utilizar-se dos meios legais para exigir que a Administração Pública sane os vícios encontrados e promova um processo que assegure a escolha do participante que apresente a proposta mais adequada. Afinal, não são apenas os interesses do particular que se busca assegurar com o processo licitatório, mas o de toda a sociedade.
[i] Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.
§ 1o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, devendo a Administração julgar e responder à impugnação em até 3 (três) dias úteis, sem prejuízo da faculdade prevista no § 1o do art. 113. (Lei 8.666/93)
[ii] Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
I – objeto da licitação, em descrição sucinta e clara;
(…) (Lei 8.666/93)
[iii] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 611
[iv] REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. PREGÃO ELETRÔNICO. REGISTRO DE PREÇOS. IMPRESSORAS, SCANNERS E OUTROS EQUIPAMENTOS. ADJUDICAÇÃO POR PREÇO GLOBAL NÃO JUSTIFICADA. IMPRECISÃO NA DEFINIÇÃO DO OBJETO. INEXEQUIBILIDADE DAS PROPOSTAS DAS EMPRESAS VENCEDORA E SEGUNDA COLOCADA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME. RECOMENDAÇÃO. ARQUIVAMENTO. TCU. Acórdão nº 2438/2016
Marcella R. Faustino
Melo Campos Advogados
Data: 3 de novembro de 2016