O debate sobre a multiplicidade das formas de contratação no Brasil ganha nova dimensão com o julgamento do Tema 1389 da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão tratará diretamente da competência da Justiça do Trabalho para reconhecer vínculos de emprego, mesmo quando a contratação se dá formalmente por instrumentos civis ou comerciais, como contratos de prestação de serviços ou por meio de pessoa jurídica. Sob a perspectiva empresarial, é essencial compreender os limites e efeitos dessa decisão na estratégia de gestão de pessoal e na segurança jurídica das relações contratuais.
Relação de Trabalho: Conceito e Estrutura Contratual
A relação de trabalho é mais ampla do que a relação de emprego. Enquanto esta última está delimitada pelos requisitos previstos no artigo 3º da CLT (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação), a relação de trabalho abrange outras modalidades, como o trabalho autônomo, eventual, intermitente, temporário e a prestação de serviços por meio de pessoas jurídicas.
No cenário atual, empresas contratam prestadores independentes para as mais diversas atividades, em contratos supostamente regidos pelo Código Civil ou legislação comercial e estas relações muitas vezes terminam em discussão judicial sobre o uso destes contratos de forma fraudulenta para acobertar verdadeiras relações de emprego.
A justiça do trabalho até aqui, inquestionavelmente era a justiça competente para apreciar e julgar estas demandas.
No comunicado, a entidade reforça que a EC 45/04 ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, prevista no artigo 114 da Constituição Federal, para abranger todas as ações oriundas de relações de trabalho, e não apenas aquelas que envolvem vínculo de emprego.
Isto não à toa, pois, a interpretação literal dos dispositivos legais aplicáveis, jamais permitiriam outra conclusão, senão a de que qualquer controvérsia decorrente da relação de trabalho, não somente de vínculos de emprego, deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho e não pela Justiça Comum.
É o que se infere da emenda constitucional 45/04, que ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, prevista no artigo 114 da Constituição Federal, para abranger todas as ações oriundas de relações de trabalho, e não apenas aquelas que envolvem vínculo de emprego.
Portanto, a controvérsia agora levantada pelo STF retorna mais de 20 atrás da emenda constitucional que sedimentou a competência da justiça trabalhista para as demandas de relações de trabalho.
Ademais, o art. 9º da CLT, prevê que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a legislação trabalhista, que é norma de ordem pública e indisponível, cuja incidência não pode ser afastada nem sequer por acordo das partes, pois visa à identificação do contrato-realidade e ao reconhecimento das suas consequências legais.
Estes textos legais e princípios elementares, norteadores do direito trabalhista, agora estão em xeque e esta situação deve ser acompanhada com muito cuidado, pois, a despeito do conhecido protecionismo de parte das decisões trabalhistas, à Justiça do Trabalho sempre coube apreciar se as relações de trabalho, caracterizam ou não vínculo de emprego, à luz da existência ou não de requisitos como subordinação e pessoalidade.
O Tema 1389 do STF: O Que Está em Discussão
O Tema 1389 da Repercussão Geral foi fixado a partir do Recurso Extraordinário 1.406.384/SP, e trata da seguinte questão:
“Definir se a Justiça do Trabalho pode reconhecer vínculo de emprego a partir de relação de trabalho estabelecida formalmente por meio de contrato civil ou comercial (como o de prestação de serviços ou de sociedade), quando presentes os elementos fático-jurídicos previstos na CLT.”
Portanto, a medida afeta diretamente todas as ações pendentes, tanto individuais quanto coletivas, que envolvam:
- Competência da Justiça do Trabalho para julgar supostas fraudes contratuais via PJ;
- A licitude da contratação de pessoa jurídica ou autônomo à luz da ADPF 324;
- A responsabilidade pela prova de eventual fraude na contratação.
O reconhecimento de repercussão geral dessa matéria centraliza a discussão sobre os limites da contratação via pessoa jurídica e as consequências legais da chamada pejotização.
O Entendimento da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho tem, historicamente, adotado o princípio da primazia da realidade, ou seja, o que importa não é a forma do contrato, mas a realidade dos fatos. Assim, contratos de prestação de serviços, parcerias ou contratos com PJs são sempre analisados caso a caso a fim de se constatar se há fraude a contratos de empregos ou se é lícita a contratação.
Veja que um passo muito importante já havia sido dado para a solução desta questão com a alteração da legislação para tornar incontroversa a possibilidade da terceirização de qualquer atividade, inclusive a da atividade fim, ponto de era de extrema polêmica e que gerava muita insegurança.
No entanto, resolvida a questão relacionada à possibilidade de terceirização da atividade-fim, a interpretação expansiva da legalidade da “pejotização”, sem o revolvimento de fatos e provas, e sem que se possa compreender as situações concretas, por certo adentra-se em seara bastante temerária.
Aliás, a aplicação indiscriminada de um ou de outro entendimento, sem a individualização das situações, pode gerar ainda mais insegurança jurídica, não apenas para uma massa de trabalhadores, mas, também para empresas que atuam de boa-fé.
O STF, a Proteção à Liberdade Contratual e o que se espera na solução do tema
Não obstante todo o exposto, é importante que o STF se debruce sobre o assunto, não para resolve-lo de forma atabalhoada e sem atenção à norma constitucional, mas, reconhecendo a importância de se resguardar a competência da Justiça do Trabalho, a proteção ao trabalho e a liberdade contratual, afastando o ativismo judicial que desconsidera contratos válidos e a autonomia de vontade das partes, definndo questões e limites claros à atuação judicial da corte, valorizando a liberdade contratual e garantindo que:
- A Justiça do Trabalho possa reconhecer vínculo de emprego mesmo diante de contratos civis ou comerciais, não pode presumir fraude;
- A existência de um contrato formal deve ser considerada como presunção válida, salvo prova em contrário;
- Sejam prestigiados princípios constitucionais como a liberdade econômica, a autonomia da vontade e o respeito aos pactos firmados entre as partes, valores protegidos pelo artigo 1º, inciso IV, e pelo artigo 170 da Constituição Federal, mas, em consonância e respeito à legislação trabalhista.
Implicações para as Empresas
Para os empregadores, o Tema 1389, antes mesmo de seu julgamento já reforça a necessidade de:
- Formalização correta e transparente dos contratos civis e comerciais, com cláusulas claras que evidenciem a ausência de subordinação;
- Demonstração da independência do prestador de serviço, com autonomia técnica, liberdade de horários, múltiplos clientes, e gestão própria da atividade;
- Prevenção de elementos típicos da relação de emprego, como controle de jornada, ordens diretas, exclusividade, entre outros.
A boa-fé na contratação e a documentação adequada são fundamentais para garantir a validade dos contratos e minimizar os riscos de litígios trabalhistas.