Por Maura Lanna.
As discussões sobre as questões de sexualidade e gênero tem sido cada vez mais frequentes nas relações de trabalho e inúmeras tem sido as polêmicas.
Contudo, não há mudanças nas legislações capazes de garantir às pessoas, de modo geral, um tratamento igualitário e digno. Aliás, em virtude da inércia dos legisladores, o Poder Judiciário trabalhista tem adotado uma atitude ativa no que tange à tutela dos direitos das pessoas transgêneras nas fases pré-contratual e contratual do vínculo empregatício.
Há, de fato, um grande desconhecimento sobre o gênero por parte da maioria das empresas brasileiras, que ainda trata esta questão como um grande tabu.
O termo “transgênero” surgiu na metade do século XIX, com base em estudos promovidos por psicólogos e psiquiatras estadunidenses e europeus, que estudavam o comportamento de pessoas que se identificavam com o gênero contrário àquele relacionado ao sexo biológico.
Hoje, utiliza-se o termo “transgeneridade” ou “transexualidade”, em virtude de o sufixo “-dade” indicar o “modo de ser”. É preciso destacar que a questão dos transgêneros envolve um aspecto muito mais complexo do processo de construção da psicologia do ser humano: o sentimento de possuir determinada identidade de gênero.
A identidade de gênero é um termo que está atrelado à esfera mental, ao “sentimento de autopercepção e autorreconhecimento do indivíduo como sendo homem ou mulher” (CHAVES, 2017, p. 29). Trata-se da forma como a pessoa se sente e se vê, ainda que possua características biológicas totalmente diversas.
Esse sentimento não tem relação com a orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual). Ou seja, se alguém se considera uma mulher trans – corpo biológico de homem com identidade de gênero de mulher –, não significa que ela se relacionará afetiva ou sexualmente com um homem (CHAVES, 2017, p. 18-19).
Ocorre que existe uma grande dificuldade de ordem cultural, pois a sociedade, possui a noção de gênero fortemente ligada à de sexo biológico, qual seja, homens e mulheres.
E, sem adentrar na discussão cultural temos como certo que o respeito às pessoas que entendem possuir diferentes identidades de gênero e orientações sexuais dentro das organizações tem sido uma forte bandeira de inclusão e diversidade.
No âmbito dos Direitos Humanos Internacionais, a matéria tem sido constantemente discutida e alguns países tem avançado para legislações específicas para este grupo de pessoas.
Já a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), não possui nenhum dispositivo específico sobre o trabalho e o tratamento a ser dispensado ao empregado trans, o que culmina na utilização de outras normas, por meio da analogia, para a proteção desse grupo de indivíduos. Tal solução está pautada no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), cumulado com o artigo 8º, da CLT.
Assim, no dia a dia, o que se tem visto é uma crescente de discussões judicias envolvendo situações de pontencial assédio moral a trabalhadores trans além de outras lesões a direitos trabalhistas.
Por exemplo, é bem comum que trabalhadores trans enfrentem problemas na fase pré-contratual, especialmente após entregarem a documentação, que, em alguns casos, ainda não teve alteração registral. Nestas hipóteses, caso a não contratação tenha alguma relação com este fato, poderia se cogitar, por exemplo, de eventual discriminação e indenização por danos morais daí advindo.
Durante a relação empregatícia, uma discussão reiterada tem sido o direito ao uso do nome social pelos trabalhadores trans que tem obtido reiteradas decisões judiciais no sentido de garantir-lhes o uso do nome social nos ambientes laborais.
Destaca-se que muitas decisões se baseiam na aplicação da Resolução n. 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos LGBTT que dispõe sobre o referido direito no âmbito escolar. O entendimento é que se é admitido nos ambientes escolares, também deverá ser nos ambientes laborais.
Ainda, há discussões mais delicadas como, por exemplo, a utilização do banheiro no ambiente de trabalho, conforme a identidade de gênero. E, ainda, aplicação de direitos das mulheres a mulheres trans. Contudo, embora possam ser polêmicos estes pontos, a tendência do entendimento judicial tem sido de não haver nenhum entrave por meio do empregador, sob pena de violação aos preceitos constitucionais (artigos 1º, IV; 3º, I; 5º, I, X e XLI; 7º, XXX) para que estes trabalhadores trans recebem o mesmo tratamento aplicável àquele do gênero com o qual se identificam.
Aliás, de uma forma geral os precedentes da Justiça do Trabalho direcionam ao entendimento de que os juízes trabalhistas tem visado a proteção da igualdade de gênero, e combate à discriminação.
Da mesma forma, o Ministério Público do Trabalho, através da portaria nº 1.036/2015, regulamentou o uso do nome social em todas as suas unidades. Ainda, de acordo com o artigo 4º da referida portaria, é garantido aos trabalhadores nestes órgãos, o acesso a banheiros e vestiários de acordo com o nome social e a identidade de gênero de cada um.
Ademais, hoje em dia, a contratação de pessoas trans é sinônimo de valorização da diversidade nas empresas e, no âmbito social, o que contribui à diminuição da vulnerabilidade das pessoas trans formalmente inseridas no mercado de trabalho revertendo, assim, o quadro de exclusão a que este grupo poderia estar exposto.
Para tanto, as empresas devem estar atentas contra tratamentos discriminatórios e transfóbicos, atentando-se com a promoção de treinamentos e programas específicos na questão da identidade de gênero.
Nesta linha, é de suma importância garantir dentro do ambiente de trabalho, o respeito, não só ao uso do nome social, mas, ao modo de vestir, falar ou maneirismo destes trabalhadores.
Portanto, as empresas devem implementar programas e treinamentos que esclareçam procedimentos e normas que abarquem não só questões de ordem subjetiva – como relações interpessoais no trabalho – mas, também, questões mais práticas de cunho administrativo, evitando-se com isto a geração de indesejáveis passivos trabalhistas.