A cláusula de preferência na liquidação (“Liquidation Preference”) é um elemento essencial nos contratos de investimento em startups e venture capital. Ela garante ao investidor detentor de ações preferenciais o direito de recuperar o seu investimento antes dos demais acionistas em um evento de liquidez, como a venda parcial ou total da empresa, uma fusão ou até mesmo a decretação de falência.

Para ilustrar, consideremos um cenário em que um investidor aporte R$ 4 milhões em uma startup mediante a subscrição de ações preferenciais. Suponha que o contrato de mútuo conversível estabeleça uma cláusula de preferência na liquidação com um múltiplo de 1x. Em caso de um evento de liquidez, como a venda dos ativos da empresa para um terceiro, esse investidor terá o direito de receber, prioritariamente, os mesmos R$ 4 milhões que investiu antes da distribuição de quaisquer valores aos demais acionistas.

O múltiplo determina o montante que deve ser pago ao investidor antes que os fundadores e colaboradores (proprietários de ações ordinárias) obtenham qualquer retorno. Esse valor é expresso como um fator multiplicador do montante investido, geralmente indicado em “X vezes o valor investido”.

O principal propósito da preferência na liquidação é mitigar os riscos dos investidores que aportam capital em empresas emergentes, frequentemente com modelos de negócios incipientes e elevado grau de incerteza. Dessa forma, caso a empresa seja vendida por um valor inferior ao esperado, os investidores ainda podem recuperar parte ou a totalidade do seu investimento antes dos acionistas ordinários.

Existem diferentes modalidades de preferência na liquidação, cada uma com impactos distintos sobre a distribuição de recursos entre investidores e fundadores:

  1. Não-Participação (No Participation): O investidor recebe o valor investido ou um múltiplo desse montante (por exemplo, 1x ou 1,5x) antes da distribuição aos acionistas ordinários. Caso haja saldo remanescente, este é repartido entre os demais acionistas conforme as suas respectivas participações societárias no capital social. Nesta modalidade, que é a mais comumente utilizada no mercado, o investidor não participa do rateio dos valores excedentes. Quando os valores obtidos em um evento de liquidez ou liquidação são significativamente superiores ao montante investido, a cláusula de preferência na liquidação tende a perder relevância. Nesses casos, pode ser mais vantajoso para o investidor optar por receber sua parcela proporcional ao capital social, em vez de exercer a preferência na liquidação.

  2. Participação Total (Full Participation): O investidor recebe sua preferência na liquidação e, em seguida, compartilha os recursos remanescentes com os acionistas ordinários, com base na proporção “convertida”. Isso significa que a ação é tratada como se já tivesse sido convertida em ações ordinárias, conforme a taxa de conversão.

  3. Participação Limitada (Capped Participation): Aqui, o investidor recebe sua preferência de liquidação e compartilha os recursos remanescentes até atingir um limite específico do investimento original. Após atingir esse teto, a participação cessa. Uma cláusula típica dessa modalidade pode ser descrita da seguinte forma: “Após o pagamento da Preferência de Liquidação aos detentores das Ações Preferenciais Série A, os ativos remanescentes serão distribuídos proporcionalmente entre os detentores das Ações Ordinárias e das Ações Preferenciais Série A, até que os detentores da Série A tenham recebido um total equivalente a [X] vezes o Preço Original de Compra, acrescido de quaisquer dividendos declarados, mas não pagos. A partir desse ponto, os ativos remanescentes serão distribuídos apenas entre os acionistas ordinários”.

À medida que a startup realiza novas rodadas de captação de recursos, a cláusula de preferência na liquidação pode ser ajustada para determinar a prioridade entre os investidores de diferentes rodadas. Existem basicamente duas formas de estruturar essa prioridade:

  1. Preferência por Ordem de Entrada (Stacked Preference): Investidores das rodadas mais recentes têm prioridade sobre os das rodadas anteriores, recebendo primeiro sua preferência na liquidação antes dos investidores das séries anteriores.

  2. Preferência Igualitária (Pari Passu Preference): Todos os investidores, independentemente da rodada em que investiram, recebem a preferência na liquidação simultaneamente, proporcionalmente ao seu investimento.

A forma como essa prioridade é definida pode impactar significativamente os retornos dos investidores e os incentivos para novas rodadas de captação, tornando esse um ponto crítico nas negociações entre investidores e fundadores.

Para investidores, a preferência na liquidação é um mecanismo de proteção essencial, reduzindo os riscos da operação. Para os fundadores, a preferência na liquidação diminui o valor efetivo da venda, pois o seu percentual de participação na empresa incide apenas sobre a diferença entre o valor da venda e o montante investido. Dessa forma, o payout do fundador será afetado diretamente.

Embora essencial para atrair investidores, a cláusula de preferência na liquidação deve ser estruturada de maneira equilibrada, sem prejudicar os incentivos destinados aos fundadores e demais acionistas. Esse equilíbrio é crucial para criar um ambiente que favoreça o desenvolvimento e a valorização da empresa.

Com ampla experiência na estruturação de investimentos e na definição de termos estratégicos, a Melo Campos Advogados está preparada para assessorar na formulação de cláusulas que conciliem segurança para os investidores e sustentabilidade para o negócio.