A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 2.139.749, em 30 de agosto de 2024, entendeu que um provedor de aplicação de internet, como o YouTube, pode, por iniciativa própria, remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos de usuários que violem seus termos de uso.
Para o Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, “é legítimo que um provedor de aplicação de internet, mesmo sem ordem judicial, retire de sua plataforma determinado conteúdo (texto, mensagem, vídeo, desenho) quando este violar a lei ou seus termos de uso, exercendo uma espécie de autorregulação regulada: autorregulação ao observar suas próprias diretrizes de uso, regulada pelo Poder Judiciário nos casos de excessos e ilegalidades porventura praticados”.
Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de um médico para que fossem restabelecidos vídeos da sua conta no YouTube, removidos pela plataforma em 2021. Na época, ele postou conteúdo orientando sobre tratamentos para a Covid-19 não referendados pela Organização Mundial da Saúde.
O YouTube, por sua vez, avaliou que a publicação era incompatível com a sua “Política sobre desinformação médica da Covid-19”, divulgada aos usuários da plataforma.
O médico reclamou que estaria sendo vítima de censura, pois o Marco Civil da Internet garantiria o direito do usuário à inviolabilidade do fluxo de comunicações. Ele ajuizou ação para determinar o restabelecimento do conteúdo removido, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) negaram o pedido.
O Ministro Relator explicou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que o provedor de aplicações só será responsabilizado civilmente por publicações de terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar medidas para tornar o conteúdo ofensivo indisponível. Para o Relator, isso não significa que o provedor só poderá tornar o conteúdo indisponível se houver ordem judicial para tanto, como argumentou o médico.
Além de dar à lei um sentido não previsto, o Ministro salientou que a interpretação restritiva do artigo 19, tal como sustentada pelo recorrente, contraria o esforço feito pela comunidade nacional e internacional, pelo poder público, pela sociedade civil e pelas empresas contra a desinformação (fake news) e práticas ilícitas na internet.
Em sua decisão, o Relator também rechaçou a alegação do médico de que estaria sofrendo shadowbanning, ou banimento às escuras. Segundo explicou, essa prática – vedada em documentos regulatórios – consiste na moderação de conteúdo por meio de rebaixamentos em sistemas de recomendação ou outras formas de banimento de difícil detecção pelo usuário.
No entanto, no caso em análise, o Ministro entendeu que essa prática não foi adotada pela empresa, que notificou o usuário do conteúdo irregular e o retirou do ar_._
Segundo o Ministro: “a liberdade de expressão, estabelecida no caput do artigo 19 do Marco Civil da Internet, é um princípio democrático de alta hierarquia, que se impõe sobre todas as relações, tanto públicas quanto entre particulares, e recebe tratamento especial no ordenamento jurídico. É ela que possibilita o exercício do livre pensamento e da transmissão de informações, opiniões e críticas e autoriza o acesso a informações de interesse coletivo. Seu titular, do mesmo modo, tem o dever de exercê-la com grande zelo e responsabilidade”.
Essa decisão reflete a posição do STJ sobre o papel das plataformas na regulação do conteúdo e sua responsabilidade na proteção contra a propagação de informações falsas. Ao mesmo tempo, evidencia a busca pelo equilíbrio entre a liberdade de expressão e a responsabilidade digital, um tema central no debate sobre o uso da internet em um contexto democrático. Em síntese, a decisão reafirma a autonomia das plataformas para regulamentarem o conteúdo veiculado por seus usuários, conforme os princípios e normas estabelecidos, sem que isso represente censura, desde que observadas as limitações legais e as regras internas das plataformas.