Em setembro de 2023, por iniciativa do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foi instituída a Comissão de Juristas com o propósito de revisar e atualizar o Código Civil brasileiro. A Comissão foi presidida e coordenada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, contando com a relatoria dos professores Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery.

A Comissão de Juristas concluiu a análise do relatório final em 5 de abril de 2024, e ele foi apresentado ao Plenário do Senado Federal em 17 de abril de 2024. A partir de agora, a proposta de modernização do atual Código Civil será submetida à apreciação do Congresso Nacional, primeiramente pelo Senado Federal, que terá a missão de avaliar as reformas sugeridas para a adequação da legislação civil brasileira às demandas contemporâneas.

A proposta de atualização é fruto de uma colaboração entre o Parlamento, autoridades judiciárias e juristas renomados, orientada pela necessidade de adequar o ordenamento jurídico à evolução da sociedade nos últimos 20 anos. Desde a promulgação do atual diploma, em 2002, a sociedade brasileira tem passado por transformações profundas, e o Direito, como ciência social aplicada, deve acompanhar e refletir essas mudanças.

Para a atualização dos aspectos envolvendo o Direito Empresarial, foi instituída uma subcomissão especializada, que buscou promover ajustes na disciplina e na interpretação de negócios empresariais. Esse esforço visou ao fortalecimento da autonomia privada, levando em consideração as peculiaridades próprias desses negócios, objetivando maior segurança jurídica e previsibilidade, adotando teses consolidando o entendimento das Cortes Superiores.

Conforme destacado pela Comissão de Juristas, a reforma do Livro da Empresa trouxe modificações pontuais no âmbito do Direito Empresarial, com o escopo de impulsionar o fluxo de negócios, atrair investimentos e fomentar o empreendedorismo e a concorrência, elementos essenciais à geração de riquezas para a sociedade brasileira.

Ainda segundo a Comissão, esses objetivos materializam-se por meio de dispositivos legais que visam assegurar maior segurança e previsibilidade para os agentes econômicos. Tal segurança é alcançada ao introduzir regras mais claras para o tratamento das sociedades empresariais, do estabelecimento de princípios próprios do Direito Empresarial, bem como pela desburocratização, fortalecimento e facilitação das relações econômicas, promovendo uma maior fluidez nos negócios.

Dentre as sugestões de inovações e atualizações propostas no relatório final, destaca-se a proposta de alteração na redação do artigo 966 do Código Civil. A redação vigente do caput desse artigo dispõe: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

A Comissão de Juristas propôs a seguinte redação para o referido artigo: “Considera-se empresa a organização profissional de fatores de produção que, no ambiente de mercado, exerce atividade de circulação de riquezas, com escopo de lucro, em prestígio aos valores sociais do trabalho e do capital humano”. Foi sugerida, ainda, a criação do §1º, com a seguinte redação: “Exercem atividade empresarial o empresário e a sociedade empresária”.

No texto sugerido para o artigo 966, a Comissão justificou a mudança ao enfatizar a primazia da empresa como organização de fatores de produção, exercida de forma profissional e com vistas à produção e circulação de riquezas com finalidade lucrativa, independentemente de quem a exerce, seja empresário ou sociedade empresária.

Outra inovação que merece destaque é a criação de um artigo que elenca os princípios específicos do Direito Empresarial, consolidados pela jurisprudência brasileira e que norteiam a aplicação de suas disposições. Esses princípios foram inseridos no artigo 966-A, que possui a seguinte redação:

Art. 966-A. As disposições deste Livro devem ser interpretadas e aplicadas visando ao estímulo do empreendedorismo e ao incremento de um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios no país, observados os seguintes princípios:

I – da liberdade de iniciativa e da valorização e aperfeiçoamento do capital humano;

II – da liberdade de organização e livre concorrência, da atividade empresarial, nos termos da lei;

III – da autonomia privada, que somente será afastada se houver violação de normas legais de ordem pública;

IV – da autonomia patrimonial, das pessoas jurídicas, conforme seu tipo societário

V – da limitação da responsabilidade dos sócios, conforme o tipo societário adotado, nos termos legais;

VI – da deliberação majoritária do capital social, salvo se o contrário for previsto no contrato social;

VII – da força obrigatória das convenções, desde que não violem normas de ordem pública;

VIII – da preservação da empresa, de sua função social e de estímulo à atividade econômica;

IX – da observância dos usos, práticas e costumes quando a lei e os interessados se refiram a eles ou em situações não reguladas legalmente, sempre que não sejam contrários ao direito;

X – da simplicidade e instrumentalidade das formas.

A proposta da inserção do citado artigo 966-A consolida o entendimento, já expressado pelos Tribunais, de que o Direito Empresarial possui uma lógica própria, devendo ser interpretado com base em regras específicas. A inovação reside na fixação de um rol de princípios destinados a reger a interpretação das normas empresariais.

Importa salientar que o Projeto de Reforma do Código Civil ainda não é definitivo e está sujeito a alterações em seu texto. Como já dito, a matéria seguirá em tramitação em ambas as Casas Legislativas, iniciando pelo Senado Federal, seguindo os ritos regimentais para a sua devida apreciação.