A visão tradicional acerca das obrigações de fazer (e não fazer) era de que estas deveriam ser objeto de tutela específica. Nos termos do art. 499 do CPC, existiam apenas duas possibilidades de conversão em prestação pecuniária: requerimento expresso de conversão pelo autor já na petição inicial ou, se já impossível, a tutela específica.
Segundo essa lógica, caso a tutela específica fosse possível quando do ajuizamento da ação, mas se tornou impossível no curso do processo, ficaria prejudicado o autor que formulou pedido de tão somente da tutela específica, sem pedido alternativo de perdas e danos.
Em recente julgado (REsp 2.121.365-MG, de 9/9/2024) o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, se a demora do devedor impossibilitar a concessão da tutela específica solicitada na petição inicial, a obrigação pode ser convertida, até mesmo de ofício, em reparação por perdas e danos. Essa conversão pode se dar em qualquer fase do processo.
Nesse julgado, entendeu-se que o art. 499 do CPC deve ser considerada em conjunto com os artigos 247, 248 e 389, caput, do Código Civil, que determinam o seguinte, respectivamente:
Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.
Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Concluiu a Corte Superior que a disciplina dada à matéria pelo Código Civil deve guiar a interpretação da questão no Código de Processo Civil, de forma a se manter a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, independentemente de pedido do próprio autor da ação, inclusive em cumprimento de sentença, desde que verificada a impossibilidade de cumprimento da tutela específica.
No caso concreto, o Autor, em uma ação cominatória com pedido liminar, requereu a realização de um exame médico. A liminar foi deferida, mas a parte contrária, mesmo devidamente intimada e sob pena de multa diária, não obedeceu a ordem judicial, de forma que o Autor, em face da necessidade premente, realizou o exame por conta própria. Postulou então, depois de ajuizada a Ação, a conversão da prestação específica em reparação por perdas e danos.
A sentença proferida, contudo, declarou a carência superveniente do interesse processual, argumentando que já tendo sido realizado o exame postulado e não havendo o pedido de ressarcimento ou compensação expressamente na inicial, não permaneceria o interesse do Autor na lide.
Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça manteve a sentença, alegando não ser caso de obrigação impossível, mas de, transcreve-se: “prestação dispensável, desnecessária, já que não haveria utilidade na realização de um segundo exame da mesma natureza do primeiro, feito por iniciativa e com recursos particulares junto a prestador de serviço privado”.
Foi somente no julgamento do recurso especial que, segundo o STJ, reconheceu-se a possibilidade da conversão em perdas e danos ainda que não houvesse pedido expresso nesse sentido, haja vista que a obrigação de fazer se tornou impossível (no caso, em razão da inércia da parte Ré).
A postura do STJ, portanto, primou pela eficácia do processo e pela tutela do bem da vida.
Ainda que se discuta que a decisão concedeu ao Autor algo que ele não pediu (decisão extra petita) ou mesmo que haveria violação do princípio do dispositivo (pelo o qual o Judiciário só deve agir quando provocado), certo é que a decisão do STJ visa, em última instância, a preservação da efetividade da Justiça. Isso porque, caso mantido o entendimento das instâncias inferiores, haveria verdadeira premiação àqueles que não cumprem liminar com ordem de prestação específica, permitindo que se esquivasse do processo nos casos em que a prestação se tornasse impossível. Assim, para valorizar o processo, os bens da vida tutelados pelo Direito e não premiar quem descumpre liminares, é bem vinda a posição da Jurisprudência.
Fonte: Informativo nº 826, 24 de setembro de 2024, STJ, acessado em << https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo.ea