Em setembro de 2023, por iniciativa do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foi instituída a Comissão de Juristas com o propósito de revisar e atualizar o Código Civil. Presidida e coordenada pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, contando com a relatoria dos professores Flávio Tartuce e Rosa Maria de Andrade Nery, a Comissão assumiu a desafiadora tarefa de modernizar a legislação civil brasileira, adequando-a às demandas contemporâneas.

A Comissão de Juristas concluiu a análise do relatório final em 5 de abril de 2024, que foi apresentado ao Plenário do Senado Federal em 17 de abril de 2024. A partir de agora, a proposta de modernização do atual Código Civil será submetida à apreciação do Congresso Nacional, iniciando pelo Senado Federal.

A Subcomissão de Contratos composta pelas Professoras Angélica Carlini e Cláudia Lima Marques e pelos Professores Carlos E. Elias de Oliveira e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, construiu um texto que buscou alinhar o Livro de Contratos do Código Civil às transformações sociais, econômicas e culturais desses últimos tempos, em conformidade com a doutrina, a jurisprudência e a prática quotidiana.

A boa-fé mantém seu papel de destaque no direito contratual, com eficácia pré-contratual, contratual e pós-contratual a guiar as partes e a credenciar determinadas reações do Direito, como as provenientes do inadimplemento.

Neste sentido, destaca-se a proposta de alteração na redação do artigo 422 do Código Civil. A redação vigente desse artigo assim dispõe: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

A nova redação sugerida pela Comissão expande seu alcance, determinando o seguinte: “Os contratantes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé nas tratativas iniciais, na conclusão e na execução do contrato, bem como na fase de sua eficácia pós-contratual.”

Outra inovação que merece destaque é a inserção do art. 422-A, que qualifica a violação da boa-fé como inadimplemento, nos seguintes termos: “Os princípios da confiança, da probidade e da boa-fé são de ordem pública e sua violação gera o inadimplemento contratual”.

A boa-fé integra o conjunto de deveres contratuais, sendo certo que o respeito à força obrigatória dos contratos passa por assegurar o cumprimento, também, dos deveres laterais, em harmonia com os deveres de prestação.

Esclarece-se que a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019) já havia reforçado o papel hermenêutico da boa-fé e da confiança legítima, mediante as alterações promovidas no artigo 113 do Código Civil, especial seu §1º.

O Anteprojeto, especificamente no âmbito dos contratos empresariais, que são aqueles firmados entre duas ou mais pessoas jurídicas, reforça a função hermenêutica da boa-fé. Assim, foi sugerido, no artigo 421-C, §1º, inciso II, que o atendimento à boa-fé objetiva nos contratos empresariais também se mede “pela expectativa comum que os agentes do setor econômico de atividade dos contratantes têm, quanto à natureza do negócio celebrado e quanto ao comportamento leal esperado de cada parte”.

Outra sugestão relevante do Anteprojeto é a inclusão do inciso II do parágrafo único do art. 479, que limita o direito à revisão contratual com base da boa-fé.

É importante ressaltar que o Projeto de Reforma do Código Civil ainda não é definitivo e está sujeito a alterações em seu texto. Como já dito, a matéria seguirá em tramitação em ambas as Casas Legislativas, iniciando pelo Senado Federal, seguindo os ritos regimentais para a sua devida apreciação.