Em setembro de 2023, por iniciativa do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foi instituída a Comissão de Juristas com o propósito de revisar e atualizar o Código Civil.

A comissão de responsabilidade civil, composta pelo Subrelator, Procurador de Justiça de Minas Gerais Nelson Rosenvald, pela Ministra do STJ Isabel Gallotti e pela juíza do Tribunal de Justiça de Goiás Patrícia Carrijo, e os Relatores-Gerais da Comissão de Reforma do Código Civil, Professores Flávio Tartuce e Rosa Nery, encaminharam proposta conjunta ao plenário da comissão, acolhida por unanimidade, com um conjunto de sugestões referentes às alterações do Título IX do Código Civil de 2002, que trata da responsabilidade civil.

A Comissão de Juristas concluiu a análise do relatório final em 5 de abril de 2024, e ele foi apresentado ao Plenário do Senado Federal em 17 de abril de 2024. A partir de agora, a proposta de modernização do atual Código Civil será submetida à apreciação do Congresso Nacional, primeiramente pelo Senado Federal, que terá a missão de avaliar as reformas sugeridas para a adequação da legislação civil brasileira às demandas contemporâneas.

Dentre as sugestões de inovações e atualizações propostas no relatório final, destaca-se a inserção de um dispositivo que permite cláusulas de limitação e exclusão de responsabilidade em contratos paritários no Código Civil brasileiro, com a seguinte redação:

Art. 946-A. Em contratos paritários e simétricos, é lícita a estipulação de cláusula que previamente exclua ou limite o valor da indenização por danos patrimoniais, desde que não viole direitos indisponíveis, normas de ordem pública, a boa-fé ou exima de indenização danos causados por dolo.

Cláusulas de não indenizar, também denominadas cláusulas de limitação ou exclusão de responsabilidade, são aquelas convenções que têm como objetivo impedir o surgimento jurídico de uma das consequências da responsabilidade civil, designadamente o dever de indenizar cabível ao devedor que descumpriu um dever jurídico, seja contratual ou extracontratual. O acordo de regramento da indenização ou a eliminará integralmente ou estipulará um limite ao seu valor.

O Código Civil de 2002, do mesmo modo que o Código Civil de 1916, não apresenta um dispositivo que trate do tema como regra geral. Porém, é possível encontrar alguns dispositivos na codificação que versam sobre a validade de cláusulas de não indenizar em temas específicos, bem como leis especiais que abordam o assunto.

Recentemente, a Lei 13.874/2019, popularmente conhecida como Lei da Liberdade Econômica, inseriu o art. 421-A, inciso II, no Código Civil, indicando que no âmbito dos contratos civis e empresariais, que se presumem paritários por lei, a alocação de riscos definida pelas partes deverá ser respeitada e observada. Embora este não seja um dispositivo que trata especificamente de cláusula de não indenizar, a liberdade contratual para alocar riscos entre as partes contratuais é indicada como um fundamento para a presunção de validade desse tipo de acordo em nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, em contratos paritários e simétricos são cabíveis convenções limitativas que concernem às espécies de danos patrimoniais indenizáveis. Assim, é válida a cláusula que delimite a responsabilidade do devedor ao dano emergente, excluindo a indenização de eventuais lucros cessantes – a recíproca também é cabível – ou mesmo de danos indiretos. Conforme cada situação, concreta, o resultado oscilará entre a exclusão ou limitação.

A redação sugerida pela Comissão propõe uma designação mais precisa, indicando expressamente que o que se limita ou se exclui com a celebração da cláusula é o dever de indenizar danos patrimoniais, e não a responsabilidade civil em geral do devedor.

Assim, a cláusula que somente limita o montante indenizatório deixa aberta a possibilidade de que entre as partes surja o dever de indenizar – ainda que reduzido – ao passo que a cláusula exoneratória inibe totalmente o surgimento desse feixe da responsabilidade civil. Enquanto a cláusula de exoneração priva o credor por completo da indenização, na hipótese de limitação do dever de indenizar o credor poderá até mesmo receber o valor integral da indenização se o teto definido para o compartilhamento dos riscos for superior ao dano efetivamente devido.

Com relação às hipóteses em que tal cláusula não deve ser considerada lícita, o dispositivo sugerido indica, em primeiro lugar, a impossibilidade de que a cláusula de não indenizar seja entabulada em “violação a direitos indisponíveis”. Essa escolha textual tem como objetivo principal indicar a invalidade da cláusula quando ela diz respeito a direitos que não podem ser objeto de negociação entre as partes, sobretudo aqueles relacionados à integridade psicofísica da pessoa humana, entre outros.

Em seguida, faz-se referência à impossibilidade de que a celebração de uma cláusula de não indenizar ocorra em violação a normas de ordem pública e à boa-fé.

Por fim, o dispositivo proposto se refere à impossibilidade de que a cláusula de não indenizar sirva como fundamento jurídico para a isenção do dever de indenizar causado pelo próprio dolo do agente devedor, na fase da execução contratual.

Salienta-se que as cláusulas de limitação e de exclusão se inserem no âmbito da eficácia horizontal de direitos fundamentais, sendo que a convenção deve considerar o grau de assimetria entre as partes e o bem jurídico envolvido.

Importa ressaltar que o Projeto de Reforma do Código Civil ainda não é definitivo e está sujeito a alterações em seu texto. Como já dito, a matéria seguirá em tramitação em ambas as Casas Legislativas, iniciando pelo Senado Federal, seguindo os ritos regimentais para a sua devida apreciação.

Essa inclusão está em consonância com as alterações que estão sendo propostas, que visam reforçar a valorização da autonomia privada como um dos pilares fundamentais do Direito Contratual, regulamentando uma prática já comum no mercado, mas que ainda gera intensos debates nas negociações contratuais. A previsão normativa contribuirá para uma maior segurança jurídica, especialmente para as empresas, ao definir de forma clara os limites e os riscos assumidos nas operações, evitando litígios e promovendo previsibilidade nas relações comerciais.