É muito comum em uma indústria a utilização, em sua estrutura, de filiais atacadistas, centros de distribuição ou até mesmo de filiais varejistas. Pode ser uma estrutura estratégica ou até essencial para que a empresa consiga promover a venda dos produtos por ela industrializados. Essas filiais, por exemplo, podem se localizar mais próximas do mercado consumidor, região alvo da empresa, em cidades estratégicas do ponto de vista de localização para entrega rápida, eficiente e de menor custo dos produtos.

Considerando, portanto, o uso de uma estrutura de distribuição de seus produtos, a empresa busca industrializar e transferir a mercadoria acabada para suas filiais (atacadistas, varejistas ou centros de distribuição), de modo que o estoque atenda, por exemplo, o nível de atendimento ou serviço exigido por grandes players. Destes centros a mercadoria é vendida e entregue para os clientes.

Ainda neste sentido, pode ocorrer a transferência de mercadorias entre as próprias filiais da empresa por vários motivos: falta de espaço para armazenamento, atendimento ao nível de serviço de clientes etc., dependendo de como a indústria e a logística são conduzidas pela empresa.

Neste contexto, já há alguns anos, a Receita Federal tem negado a possibilidade do crédito de PIS/COFINS sobre a despesa de frete que a empresa registra na transferência da mercadoria acabada entre seus estabelecimentos.

O argumento do Fisco é que a permissão do crédito de PIS/COFINS, no caso dos fretes sobre produtos acabados, se dá apenas sobre a despesa do frete na venda da mercadoria (item “a” na figura abaixo), ou seja, o frete aplicável na entrega do bem vendido. Diferentemente, sobre a despesa incorrida na transferência dos produtos acabados da indústria para suas filiais (centros, depósitos etc.), item “b”, não seria permitido o registro de créditos.

Partindo do pressuposto que uma vez industrializada a mercadoria, a empresa transfere os produtos acabados para suas filiais com a finalidade de promover sua venda (afinal, a empresa não quer apenas armazenar mercadorias, o fim último é vendê-las, não é mesmo?), o frete pago na transferência de suas mercadorias é despesa de venda, logo, despesa passível de crédito de PIS/COFINS.

Ora, uma vez industrializada a mercadoria, toda e qualquer movimentação dela tem como último objetivo a sua venda. Nenhuma empresa opta por realizar despesas com a transferência de suas mercadorias de um local para outro sem ter como escopo final a sua venda, uma vez que este custo interfere diretamente na margem da empresa.

Um exemplo muito simples pode esclarecer todo o absurdo do posicionamento do Fisco.

No exemplo da figura acima, imagine que a empresa realize a venda de 10 (dez) toneladas de macarrão para um cliente estabelecido a 200km de distância de sua indústria. Neste exemplo, a empresa possui uma filial atacadista estabelecida exatamente no meio do caminho e que possui em estoque o pedido realizado pelo cliente.

Nesta situação, obviamente, a empresa define que sua filial realizará a venda, por exemplo, contratando uma transportadora. Neste caso, a RFB entende que apenas sobre esse frete pode a empresa registrar o crédito de PIS/COFINS. Lado outro, o frete que a indústria pagou anteriormente na transferência da mercadoria entre a indústria e sua filial não pode ser creditado.

Mudando o exemplo, imaginemos que nesta mesma situação a filial não contasse em seu estoque com a mercadoria para entrega e, como única alternativa, a indústria realizasse diretamente toda a venda para o cliente, contratando uma transportadora para realizar o transporte da mercadoria entre ela e o seu cliente (200 km). Neste caso, o registro do crédito de PIS/COFINS ocorreria sobre o valor de todo o frete. Fica evidente que o frete transferência é parte da operação de venda.

No CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda encarregado de julgar os recursos administrativos de contribuintes e da própria Receita Federal, o entendimento majoritário das seções de julgamento é também de não aceitar o crédito sobre o frete transferência, sem existir, contudo, até 2016,  posicionamento do seu Conselho Superior de Recursos Fiscais (responsável por uniformizar o entendimento divergente entre câmaras, turmas de câmaras, etc.).

Naquele ano a Terceira Turma do CSRF admitiu o crédito sobre as despesas com frete nas transferências de mercadorias acabadas entre estabelecimentos de uma empresa do ramo de comércio de vidros automotivos e serviços. A linha de raciocínio utilizada pelo voto vencedor naquele julgamento foi a de que as despesas de frete, na transferência de mercadorias entre as filiais dessa empresa, devem ser consideradas essenciais à atividade da companhia, devendo ser considerada como despesa necessária para a atividade final de venda de mercadorias.

Em 2017, novos acórdãos da mesma 3ª Turma do CSRF, todos envolvendo indústrias, com fundamento também na essencialidade destas despesas para a atividade de comercialização, permitiram o crédito de PIS/COFINS sobre o frete transferência. Importante notar que essa mesma decisão trouxe também um novo argumento, o de que as leis nº 10.637/02 e 10.833/03, quando definiram as regras de crédito de PIS/COFINS, estabeleceram a possibilidade do crédito sobre a “operação de venda” e não apenas sobre o “frete de venda”, sendo aquele bem mais amplo do que este. Se de fato o legislador quisesse restringir a despesa do frete pago na venda da mercadoria, o teria feito expressamente, o que não foi o caso.

Por fim, em sessão realizada em julho deste ano, em um caso também envolvendo uma indústria, novamente a Terceira Turma do CSRF reiterou o entendimento pela possibilidade de crédito, citando julgado, da mesma turma, em sessão de 2017, que ora transcrevemos (acórdão n.º 9303005.156):

“Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep
Período de apuração: 01/01/2008 a 30/09/2008
CRÉDITO. FRETES NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS ACABADOS ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA EMPRESA.

Cabe a constituição de crédito de PIS/Pasep sobre os valores relativos a fretes de produtos acabados realizados entre estabelecimentos da mesma empresa, considerando sua essencialidade à atividade do sujeito passivo.

Não obstante à observância do critério da essencialidade, é de se considerar ainda tal possibilidade, invocando o art. 3º, inciso IX, da Lei 10.833/03 e art. 3º, inciso IX, da Lei 10.637/02 eis que a inteligência desses dispositivos considera para a r. constituição de crédito os serviços intermediários necessários para a efetivação da venda quais sejam, os fretes na operação” de venda. O que, por conseguinte, cabe refletir que tal entendimento se harmoniza com a intenção do legislador ao trazer o termo frete na operação de venda”, e não “frete de venda” quando impôs dispositivo tratando da constituição de crédito das r. contribuições.”

Vale aqui observar que, apesar de o conceito de despesa “essencial à atividade” do contribuinte ter sido também aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.221.170, a análise realizada naquele julgado levou em conta os “insumos” considerados imprescindíveis ou relevantes para o desenvolvimento da atividade econômica, não tendo sido analisadas as despesas com fretes, previstas em outro inciso do art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03.

Apesar do consolidado entendimento da Terceira Turma do CSRF sobre o tema, ainda não há posicionamento das demais turmas do CSRF, que deverão confirmar o posicionamento favorável aos contribuintes, aplicando-se a tese de repercussão geral julgada em sede de recurso repetitivo pelo STJ, REsp nº 1.221.170, o que também vincularia o CARF, porquanto o seu regimento interno determina que o órgão aplique as decisões do STJ quando em recurso repetitivo.

Portanto, entendemos que as empresas possuem bons argumentos para registrarem o crédito de PIS/COFINS sobre as despesas incorridas com o frete transferência de produtos acabados, considerando:

(I)     o forte argumento de que o frete transferência está “contido” na operação de venda, estando previsto, portanto, nas Leis 10.637/02 e 10.833/03;

(II)    a existência, na prática, da essencialidade desta despesa para a realização da venda;

(III)  que o CSRF vem, reiteradamente, se posicionado a favor do crédito sobre a despesa de frete transferência de produtos acabados.

A equipe tributária da Melo Campos fica à disposição para analisar a situação da sua empresa em relação a essa questão.