Em tempos em que a informalidade das relações impera no cotidiano brasileiro, a União Estável vem ganhando notável espaço em nossa sociedade.
A espontaneidade para a caracterização do instituto, somada à dispensa do rígido formalismo exigido na celebração do casamento, tornaram-se atrativos valiosos para o casal que procura oficializar sua relação sem ter de suportar as consequências próprias do matrimônio.
Por conseguinte a tal realidade, o tema acaba se apresentando cada vez mais frequente nos Tribunais do País, de modo que o juízo das Varas de Famílias passou a ser amplamente demandado pelas partes que buscam constituir uma entidade familiar a partir do relacionamento com seus companheiros.
À vista deste contexto, no último dia 03/03/2015, o Superior Tribunal de Justiça abriu precedente importantíssimo para o tema, conferindo ao instituto interpretação a qual até então era privilégio da doutrina e de alguns julgados.
Não obstante aos requisitos exigidos pelo art. 1º da lei 9278/96 (Lei da União Estável) e do art. 1723 do Código Civil [1], cuja redação, a propósito, é a mesma para ambas as leis, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que para ser considerada uma União Estável as partes devem apresentar intenção imediata em relação ao “objetivo de constituir de uma família”.
Ao receber o recurso de um homem que suscitou somente ter “namorado” sua ex-mulher nos dois anos que antecederam seu casamento, o relator do caso, Ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que morar na mesma casa e ter um relacionamento duradouro e público não são elementos suficientes para caracterização da União.
No caso em comento, “o objetivo de constituição de família” acabou por afastado, sob o argumento de que as partes, na real verdade, tiveram um “namoro qualificado”.
Importa aqui destacar que tal posicionamento sedimentou entendimento de alguns doutrinadores (principalmente Carlos Dabos Maluf [2]) no sentido de que o “namoro qualificado”, não obstante a apresentar quase todas as características atinentes à União Estável, não possui o elemento “objetivo de constituir família”, o que afasta a ocorrência do instituto.
Neste sentido, segue trecho retirado do voto condutor do raciocínio:
“Nesse contexto, é de se reconhecer a configuração, na verdade, de um namoro qualificado, que tem, no mais das vezes, como único traço distintivo da união estável, a ausência da intenção presente de constituir uma família. Quando muito há, nessa espécie de relacionamento amoroso, o planejamento, a projeção de, no futuro, constituir um núcleo familiar. Sobre esta diferenciação, especializada doutrina tece as seguintes considerações”.
Veja-se, pois, que, além da coabitação, a convivência pública, contínua e duradoura não foi suficiente para caracterizar a União Estável naquele caso, porquanto não restou presente a intenção iminente por parte do casal de constituir uma família.
Segundo entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o “objetivo de constituir família” descrito pelo legislador deve se apresentar de maneira atual e contemporânea, não podendo o objetivo, em si, ser postergado para o futuro, conforme o caso dos autos mencionados.
Na prática, aferir tal elemento cronológico não é tarefa fácil. A necessidade de se analisar de maneira objetiva um elemento flagrantemente subjetivo exige do magistrado uma verificação detida do caso concreto, das provas acostadas e, sobretudo, da experiência empregada no cotidiano e nos julgados dessa natureza.
Cumpre revelar, neste contexto, que o Ministro aferiu o marco inicial para caracterizar a intenção de constituir família a partir de “a celebração do casamento, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada, para constituir, efetivamente, um núcleo família” (trecho retirado do voto)
Há quem lastime, com aparente sinceridade, pelas novas diretrizes traçadas pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O que não se pode olvidar, no entanto, é a força que o instituto vem ganhando no ordenamento, de modo a exigir cada vez mais dos julgadores uma análise minuciosa do caso concreto.
A partir de agora, portanto, é preciso esperar para concluir se a posição a adotada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça será acompanhada pelas outras Turmas.
(A noticia se refere à decisão do RECURSO ESPECIAL Nº1. 454.643 proferida no Superior Tribunal de Justiça).
Rodrigo Pinheiro Barbosa
Melo Campos Advogados Associados
Data: 24/06/2015
[1] “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” (redação do art. 1º da Lei 9278/96 e art. 1723 do Código Civil)
[2] Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374