Um dos assuntos mais discutidos no âmbito tributário brasileiro nos últimos anos é a Reforma Tributária e seu impacto nos planejamentos patrimoniais. Dentre as diversas modificações e desafios que demandarão ampla adaptação e planejamento por parte dos contribuintes e entes federativos, destacam-se as alterações previstas para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/24), que, além de tratar da instituição do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) e outros temas relacionados ao IBS, propõe novas disposições sobre o ITCMD.

O ITCMD, como se pode inferir, não será extinto com a vigência da Reforma Tributária, mas passará por alterações significativas que têm gerado preocupação entre os contribuintes, especialmente aqueles que precisam planejar sua gestão patrimonial e sucessória.

Esse imposto, previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal de 1988, é de competência dos Estados e do Distrito Federal. Atualmente, cada ente federativo regulamenta o ITCMD, aplicando alíquotas que variam entre 2% e 8%, conforme suas legislações locais. Assim, alguns estados cobram alíquotas menores que outros, uma vez que não há vedação constitucional nesse sentido.

Após as alterações constitucionais inseridas pela EC 132/23, o PLP 108/2024 busca introduzir regulamentações sobre o ITCMD. Com fins de melhor elucidar o tema central referente à proteção patrimonial, destacamos as seguintes alterações:

  1. i) A sujeição, ao ITCMD, dos “atos societários que resultem em benefícios desproporcionais para sócio ou acionista praticados por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação, incluindo distribuição desproporcional de dividendos, cisão desproporcional e aumento ou redução de capital a preços diferenciados” (art. 160, §5º, inciso I do PLP), quando a transmissão ocorrer entre pessoas vinculadas.

A proposta do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108/24) implica que a prática comum em sociedades limitadas de distribuição desproporcional de lucros poderá ser fiscalizada e tributada. De acordo com o texto do PLP, os contribuintes deverão demonstrar uma justificativa negocial comprovável para que a distribuição seja realizada de forma desproporcional. Como consequência, é possível prever um aumento na litigiosidade entre contribuintes e o fisco estadual.

Além disso, ao prever que a incidência do imposto se aplica especialmente às transferências “entre pessoas vinculadas”, a alteração poderá impactar significativamente as empresas familiares, modelo amplamente utilizado no Brasil.

  1. ii) O artigo 169 do PLP nº 108/2024 estabelece que a base de cálculo do ITCMD será o valor de mercado do bem ou direito transmitido. Essa alteração é significativa, uma vez que o valor de mercado tende a ser superior ao valor venal, atualmente utilizado como regra geral.

Consequentemente, haverá um aumento no valor do imposto a ser recolhido, o que gera grande preocupação para as holdings imobiliárias, cujos bens incorporados, em geral, são subavaliados.

A estrutura de uma holding é amplamente reconhecida como um instrumento para a administração de bens familiares. Assim, um dos principais mecanismos de planejamento patrimonial utilizados pelos contribuintes brasileiros deverá ser revisado sob a perspectiva da Reforma Tributária.

iii) O artigo 174 do PLP nº 108/2024 regulamenta a previsão estabelecida pela Emenda Constitucional nº 132/23, que acrescentou o inciso VI ao §1º do artigo 155 da Constituição Federal, determinando que a alíquota do ITCMD será progressiva em função do valor do quinhão, legado ou doação. Em outras palavras, quanto maior o valor do bem objeto da tributação, maior será a alíquota aplicada. Contudo, as alíquotas não são fixadas pela EC 132/23 nem pelo PLP 108/24, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal sua regulamentação.

  1. iv) A alíquota máxima será fixada pelo Senado Federal, a ser observada pelos Estados e DF.
  2. v) A Emenda Constitucional nº 132/23 alterou a Constituição Federal, por meio do inciso II do §1º do artigo 155, estabelecendo que o ITCMD será devido no Estado ou no Distrito Federal onde o de cujus ou o doador era domiciliado, ou onde o inventário ou arrolamento for processado. Essa mudança elimina a possibilidade atual de o imposto ser devido no local onde o inventário ou arrolamento é processado, independentemente do domicílio.

O inciso I do artigo 180 do PLP nº 108/24, se aprovado, dificultará a livre escolha do domicílio fiscal para fins de ITCMD. O dispositivo determina que, para pessoas físicas, o domicílio fiscal será o local de sua habitação permanente. Caso não haja habitação permanente ou existam múltiplas habitações permanentes, o domicílio fiscal será definido pelo local onde as relações econômicas da pessoa forem mais relevantes.

  1. vi) Um dos pontos de maior destaque da Reforma Tributária, introduzido pela Emenda Constitucional nº 132/23 com a inclusão do inciso III ao §1º do artigo 155 da Constituição Federal, é a incidência do ITCMD sobre a transmissão de bens situados no exterior.

Essa alteração, combinada à aplicação de alíquotas progressivas, gera preocupação, especialmente para contribuintes que estruturaram seu planejamento patrimonial com base em mecanismos voltados à manutenção de patrimônio no exterior.

Um dos principais modelos é a estrutura offshore. Essas estruturas são entidades jurídicas constituídas em jurisdições fora do país de residência do controlador, geralmente em locais com tributação favorecida, como Ilhas Cayman, Suíça, Singapura ou Hong Kong. São utilizadas para otimização tributária, proteção de ativos e planejamento sucessório, desde que em conformidade com as leis locais e internacionais.

No Brasil, a legalidade das offshores é assegurada, desde que os recursos sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central, conforme exigido pela Lei nº 4.131/62 e pela Instrução Normativa RFB nº 1.037/10.

Outro modelo de proteção patrimonial que poderá ser afetado pelas mudanças no ITCMD, em razão da tributação de bens no exterior, é o contrato padronizado da International Swaps and Derivatives Association (ISDA) Master Agreement. Esse contrato, utilizado globalmente para regular transações de derivativos, como swaps, opções e contratos a termo, estabelece os termos legais, operacionais e de gerenciamento de riscos entre as partes, sendo amplamente adotado nos mercados financeiros internacionais. Ele permite:

  • Gestão de riscos financeiros: Contratos ISDA permitem hedge contra volatilidade cambial, taxas de juros ou inadimplência, protegendo ativos em investimentos internacionais, incluindo offshores. Por exemplo, um Credit Default Swap (CDS) pode ser usado para mitigar riscos de crédito em jurisdições instáveis.
  • Flexibilidade em operações offshore: Empresas que utilizam offshores em jurisdições como as Ilhas Cayman podem integrar contratos ISDA para proteger receitas e minimizar riscos em transações internacionais, evitando perdas por flutuações de mercado.
  • Conformidade e transparência: A padronização do ISDA garante maior segurança jurídica, essencial para operações envolvendo offshores, que estão sob escrutínio regulatório crescente no Brasil.

É importante considerar que as alterações no ITCMD previstas pela EC 132/23 já entraram formalmente em vigor, mas sua aplicação prática depende de regulamentação pelos Estados, Distrito Federal e pelo PLP 108/24. Dessa forma, as novas normas ainda não são aplicáveis.

Vale ressaltar que o PLP 108/2024 tramita em regime de urgência e está aguardando a apreciação pelo Senado Federal. Portanto, existe uma corrida contra o tempo, especialmente para quem deseja aproveitar alíquotas atuais do ITCMD, diferimentos fiscais remanescentes ou estruturas ainda não impactadas por regulamentações futuras. A antecipação pode ser considerada crucial, pois as mudanças legislativas podem retroagir ou limitar benefícios fiscais.

Não existe um modelo único “mais adequado” de planejamento para todos os casos, pois a escolha depende do perfil do contribuinte, do tamanho e tipo de patrimônio, dos objetivos (sucessão, proteção contra credores, otimização fiscal) e da tolerância a riscos regulatórios.

A equipe Tributária da Melo Campos Advogados possui especialidade no tema e está disponível para as explicações e orientações aos interessados sobre o tema.